Com este texto aqui, inaugurarei uma nova categoria aqui no Agá Bê Dê – o Top X. Minha total falta de disciplina pessoal me impede de prometer adições semanais nessa nova área, mas garanto que escreverei Top Xs com frequência satisfatória. E será sempre o tipo de texto que vocês parecem gostar – extenso, fruto de longa pesquisa, cheio de ilustrações e tudo o mais.
Pra dar o pontapé inicial nessa bagaça, acho que nada seria melhor que mostrar a vocês as principais diferenças entre o Brasil e o Canadá. Esse parece ser um assunto sobre qual muitos de vocês tem bastante curiosidade, ou pelo menos é a conclusão que eu tiro levando em consideração as dúzias de desconhecidos que me adicionam no MSN toda semana pra me fazer perguntas sobre a vida no hemisfério norte.
Agora, quando os paraquedistas do Google me adicionarem no MSN pra perguntar justamente isso, posso dar o link desse texto .
Aqui estão as Top 11 Diferenças entre o Brasil e o Canadá. Era pra ser um Top 5 originalmente, mas as idéias continuaram vindo e a lista ficou maior. O que é entendível, afinal, foi ingenuidade da minha parte pensar que houvesse apenas cinco coisas nos separando do padrão de vida canadense.
11) Clima
Essa é a diferença mais óbvia. Por causa da abençoada localização geográfica do Canadá (que se encontra firmemente plantado bem longe da faixa equatorial), temos a maravilha que são as quatro estações do ano. “Mimimi, o Brasil também tem estações do ano”, cale a boca agora mesmo. Estou falando de estações DEFINIDAS.
No inverno (dezembro a fevereiro) é frio pra caralho e essa merda branca cobre a paisagem completamente. Na primavera (março a maio) é bastante agradável, as flores desabrocham, tudo fica colorido. No verão (junho, julho, agosto, o que coincide com as férias escolares gringas) é bastante quente, com temperaturas beirando os 40 graus, acredite se puder. As meninas começam a sair de saias curtas, é uma beleza. E no outono (setembro a novembro) a parada começa a esfriar e o ciclo recomeça.
Isso proporciona uma impressionante mudança de paisagem bem diante dos seus olhos. Quando nos mudamos pra este apartamento, em outubro, isso é o que víamos:
Essa foto foi tirada por mim, bem na frente da minha casa, quando eu, um amigo e meu irmão íamos jogar tênis na quadra do condomínio. As folhas caídas indicam a chegada do outono. Aí está o mesmo lugar (visto sob ângulo um pouco diferente), em dezembro:
Poisé.
O Canadá tem quatro estações bem definidas. Já o Brasil tem essencialmente apenas dois períodos climáticos – o “hmm, essa brisa agradável até que ajuda a secar o suor um pouco” e o “meu deus do céu está quente demais, não consigo respirar”.
Por causa disso muitos brasileiros não tem noção do que é FRIO. Cansei de ouvir paulistas me falando que “tava frio pra caralhou hoje, mêêêêu!” pra descobrir que o tal “frio pra caralho” era 10 graus. E por causa disso, muitos brasileiros acham que gostam do frio. Isso é porque o frio daí debaixo sempre se mantém na casa dos dois dígitos positivos, o que significa um alívio do calor infernal.
Tá vendo essa foto ali em cima? -23 graus centígrados. Expor suas extremidades (orelhas/dedos/nariz) a este ambiente por tempo prolongado provoca frostbite, ou seja, seus vasos sanguíneos se contraem tanto pra conservar calor que sua circulação é cortada e seus dedos CAEM.
ISSO é frio. Ok? O próximo que vier reclamando do frio paulista de 8 graus vai ouvir um “vá a merda, obrigado”.
10) Segurança
Graças a diversos fatores do estilo de vida canadense (economia forte, abundância de empregos, polícia bem paga e alguns outros), é definitivamente mais seguro andar por uma rua canadense às duas da manhã do que seria fazer o mesmo no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Eu mesmo demorei um pouco a me acostumar a essa realidade. Na primeira vez que um amigo entediado me ligou às 11 da noite pra ir tomar um café, achei esquisito sair andando por aí na calada da noite, cortando caminhos por vielas sem iluminação.
Não se engane, no entanto – ainda há eventos isolados de violência. Entretanto, eles são em volume muitíssimo inferior ao que acontece no Brasil. De acordo com a Wikipedia, as estatísticas mais recentes mostram que no Brasil há 27 assassinatos pra cada 100 mil habitantes. No Canadá, há 1,8 assassinatos pra cada 100 mil habitantes. Ou seja, matam um e deixam o outro à beira da morte, imagino.
Eu já fui assaltado no Brasil, e presenciei o assalto de uma ex-namorada. Meu irmão foi rendido à mão armada na porta da minha casa. Aqui, eu não conheço ninguém que sequer TENHA OUVIDO FALAR de um conhecido sendo assaltado.
9) Educação superior
Aqui eu terei que dar um merecido ponto pro Brasil. Mesmo com todas as suas maravilhas, há um conceito que o primeiro mundo ainda não conseguiu sintetizar – educação gratuita.
Ok, a frase anterior está tecnicamente errada. O que se faz no Canadá (e nos EUA, e em muitos outros países) é o inverso do que acontece no Brasil: educação até o segundo grau é paga pelo governo. Você termina seu ensino médio de graça, e aí paga pra fazer faculdade.
Aí em casa, é mais comum relegar a rede pública de ensino médio “aos pobres”, enquanto nós da classe média cursamos colégios particulares caros, na esperança de passar num vestibular federal e liberar nossos pais do fardo econômico.
No Brasil, qualquer um tem direito de cursar ensino superior – se vencer a concorrência num difícil teste de seleçãp, é verdade, mas ao menos a opção de obter educação pós-secundária sem gastar rios de dinheiro está lá caso você seja competente o bastante pra poder se beneficar com ela. Aqui, ninguém toma posse de um canudo sem dever quantias que chegam às dezenas de milhares de dólares à faculdade.
Impostos
No Canadá se paga bastante impostos, o que é uma constante em países de primeiro mundo. É de se esperar que tantos benefícios venham ao custo de alguma coisa, e aos canadenses custa aproximadamente um terço de tudo que eles ganham.
Além do imposto de renda, paga-se impostos provinciais (PST, Provincial Sales Taxes) e impostos de vendas (GST, Goods and Services Taxes). E como funciona isso, você está perguntando?
É o seguinte. Digamos que você queira comprar uma bobagem qualquer que custa exatamente 100 dólares segundo a etiqueta de preço. Ao levar o item pro caixa, o sistema adiciona automaticamente o PST e o GST ao valor do produto. Em Ontario por exemplo, a combinação de GST e PST significa impostos de 13% em cima do valor do troço. Ou seja, vão te cobrar 113 dólares, ao invés dos 100 redondos que você achava que o produto custava.
Na prática isso significa que você sempre pagará um pouquinho a mais do que a etiqueta dizia, e no começo isso é BASTANTE confuso e irritante. Felizmente, a província em que eu moro (Alberta) é uma das poucas em que não se paga PST. Aquele mesmo produto de 113 dólares pra moradores de Toronto custaria 105 pra mim. Estamos na vantagem.
7) Política
Sei muito pouco sobre (e me interesso menos ainda por) política, então esse é compreensivelmente o item em que posso falar menos. O Canadá é uma democracia parlamentar, ou seja, ao invés de um presidente temos um primeiro ministro. Há essencialmente apenas dois partidos políticos, assim como nos Estados Unidos: os Liberais e os Conservadores. Isso torna a política gringa extremamente maniqueísta – ou é assim ou assado, ou é preto ou é branco. Tons de cinza na política gringa são menos comuns.
Existem partidos menores, mas eles são como a Rede TV - todo mundo sabe que tá lá, mas quem realmente dá a mínima? Bota na Globo de novo aí que a novela vai começar.
Além disso, o Canadá presta reverência à corte Inglesa. Há um feriado pro aniversário da Rainha, e a imagem dela adorna nossa nota de 20 dólares. Isso difere muito da cultura brasileira, onde nós por exemplo ficaríamos muito pouco chateados se os decendentes corte portuguesa fosse subitamente atropelados por um caminhão de mudanças.
6) Inversão de valores trabalhísticos
Se no Brasil você conta pra um amigo que seu pai é pedreiro, o sujeito provavelmente se perguntará o que você está fazendo numa faculdade ao invés de estar malabarizando num cruzamento movimentado pra ajudar com a pouca renda familiar. No Canadá, se você conta que seu pai é pedreiro, o seu amigo colocará seu nome no topo da lista de pessoas a quem ele pedirá dinheiro emprestado num momento de aperto.
Pedreiros, carpinteiros, pintores, encanadores e outros profissionais similares fazem parte dos “trade workers”, ou seja, a galera que trabalha com a mão na massa da área de construção civil. Como há oportunidades pra todo mundo em praticamente qualquer área que você quiser, a maioria dos gringos prefere trabalho com mais conforto, e como resultado há um número pequeno de interessados nesse tipo de trabalho mais pesado. E quando há pouca gente querendo executar um determinado serviço, o pagamento por ele aumenta. Até mesmo um aprendiz de pedreiro aqui ganha dinheiro que permite um padrão de vida confortável.
No Brasil, o sujeito se torna pedreiro por falta de opções. Aqui, sujeito se torna pedreiro não por falta de escolha, mas por não ter medo de sujar as mãos e pegar pesado.
A propósito, pra você ter uma noção da disparidade da situação, meu irmão – que é gerente do restaurante onde eu trabalhava – quer se demitir do trabalho dele pra voltar a ser trade worker. O motivo? Quer ganhar mais dinheiro.
5) Multiculturalismo
No Brasil, é comum passar sua vida inteira sem jamais entrar em contato com alguém de outra nacionalidade. Os poucos estrangeiros com quem interagimos por aí são turistas, e ainda assim é um acontecimento relativamente raro que vira até motivo de assunto de conversa entre amigos. “Conheci um alemão na praia ontem!”
No Canadá, é completamente o contrário. É literalmente IMPOSSÍVEL sair de casa e não esbarrar com pelo menos cinquenta imigrantes. Boa parte das pessoas que eu conheço não nasceram aqui. Lá no meu trabalho, só consigo pensar em dois colegas que são canadenses.
O motivo disso é a estabilidade econômica e as oportunidades de trabalho, que atraem gente de todo canto do mundo pra cá. O fato de que canadenses são em geral mais abertos em relação a imigração ajudou nisso também. Ao contrário dos americanos, os canadenses sabem que se os imigrantes parassem de vir a este país, tudo pararia.
E isso permite você a ter um contato em primeira mão com uma cultura totalmente distância da sua. Com a Jana, uma amiga croata minha, eu entendi como foi nascer e viver num país do leste europeu completamente detonado por guerras civis e falta de trabalhos. Com o Ahmed, um colega da Etiópia, eu aprendi sobre o a dificuldade de viver na região saariana e dos seus costumes religiosos. E com o Kailing, um sujeito de Hong Kong, aprendi bastante sobre como é viver em um dos país mais populosos do mundo. E isso é uma via de duas mãos – graças a mim, eles aprenderam muita coisa sobre o Brasil. Agora eles sabem, por exemplo, que a moeda oficial do país é olho de baiacu.
Esse tipo de intercâmbio cultural é quase impossível no Brasil, a menos que você faça intercâmbio.
4) Liberdade acadêmica
Este aqui é um ponto difícil de atribuir ao Canadá ou ao Brasil; deixarei que vocês debatam nos comentários.
No Brasil, funciona assim – somos oferecidos uma grade currícular de umas onze ou doze matérias pra estudar durante os três anos de ensino médio. O objetivo disso é nos tornar pequenos especialistas em todas as disciplinas, pra nos preparar pro temido vestibular. Você então escolhe que carreira seguirá, e faz o teste. Se passar, ótimo. Se não, tenta de novo no ano seguinte.
No Canadá, funciona mais ou menos como nas faculdades brasileiras. Pra se formar, você precisa de X créditos em 4 disciplinas principais (Inglês, Matemática, nem lembro mais quais eram), e Y créditos em 4 disciplinas opcionais. O objetivo disso é que você pode, já desde o ensino médio, se aventurar em “versões demo” dos cursos superiores que te interessam. Tá afim de ser advogado? Se inscreva em Introdução ao Direito. Acha que seria um excelente chef de cozinha? Faça Culinária. Tem interesse em trabalhar com a comunidade, ou talvez desenvolver mais suas habilidades fotográficas? Dê uma olhada em Assistência Social ou Fotografia.
E o que é melhor, os créditos nessas disciplinas são válidos na faculdade e servem até como pré-requisitos pra outras cadeiras.
Isso torna o ato de ir à escola INCRIVELMENTE mais interessante, mas tem seus problemas também. Como você precisa apenas dos créditos mínimos em matemática e inglês, e os únicos que se aventuram a tomar as versões opcionais (e mais avançadas) dessas matérias são os nerds, o resultado é uma geração de jovens retardados que não conseguem resolver problemas matemáticos mais simples ou que cometem erros de grafia e concordência absurdos. Sabe aquela noção brasileira popular (e egocêntrica) de que gringo é tudo burro? Então, essa é a origem dela.
Pra você ter uma idéia da situação, EU (que falo inglês há apenas quatro anos) corrijo erros crassos dos meus amigos que me fazem imaginar se eles sequer leram um livro na vida.
3) Bilingualidade
Além das centenas de línguas e dialetos que você ouve diariamente a caminho do trabalho, no cinema ou na praça de alimentação do shopping, temos que lidar com DUAS línguas oficiais – inglês e francês.
Na prática, você pode passar sua vida inteira sem saber falar uma palavra em francês sem problema nenhum – apenas uma minoria do país é francofone, e eles se concentram em Quebec e nas províncias mais próximas. Aliás, é muito mais comum ouvir cantonês (China) ou farsi (Irã) do que francês. Quanto mais longe você se afasta de Quebec, mais raro é encontrar um “french-canadian”, como eles se declaram.
Entretanto, nós que moramos aqui no oeste do país não estamos totalmente livres da influência européia – praticamente qualquer tipo de mídia verbal impressa (posters, revistas, rótulos de produtos, placas, QUALQUER COISA) trazem dizeres ou ao menos propagandas em francês. Por exemplo, caixas de cereal matinal têm duas tabelas de valores nutricionais, uma em cada língua.
No começo era estranho, com o tempo se torna totalmente normal. Imagino que vou estranhar ver produtos com rótulos apenas em uma língua quando visitar o Brasil em outubro.
2) Leis, leis, leis
Lá atrás eu declarei que é impossível ter um país de primeiro mundo, que ofereça tantos benefícios aos seus habitantes, sem cobrar deles impostos altos. Aqui está o outro fator responsável pela considerável diferença entre as culturas brasileira e canadense – leis.
Existem dois tipos de legislação no Canadá - leis propriamente ditas, que englobam crimes gerais (assassinato, estupro, roubo à mão armada, etc) e as bylaws, que são regras mais específicas e que só se aplicam às cidades em que você se encontra. E existe bylaw pra praticamente tudo que você pode imaginar.
Cruzou a rua fora da faixa? Multa. Se reuniu com um grupinho de adolescentes skatistas atrás do shopping pra encher o saco da geral? Multa. Jogou um panfleto no meio da rua? Multa. Foi pêgo bebendo em público (tipo, andando na calçada com uma latinha de cerveja à boca)? Multa e confiscamento da bebida. Tava mijando atrás de um muro? Multa ALTA. Existe literalmente dúzias dessas leis menores, cada uma carregando uma multa considerável que garante que o cidadão pensará duas vezes antes de fazer alguma coisa socialmente reprovável.
E a principal diferença entre o Brasil e o Canadá…
1) “Poder aquisitivo” ou ”olhem o que eu comprei agora, queridos leitores”
Admito a culpa – os relatos e fotos que vocês vêem aqui no HBD são provavelmente o principal motivo pelo qual boa parte de vocês já sentiu vontade, mesmo platônica, de morar no Canadá. E isso é, em grande parte, por causa do poder aquisitivo proporcionado pela combinação salários altos + preços baixos. É difícil falar sobre o próprio poder aquisitivo sem soar arrogante ou exibido, então me perdoem.
Vamos analisar minha situação cuidadosamente aqui. Eu sou um operador da sala de controle no tribunal da minha cidade. Isso soa importante, mas na prática mesmo eu sou apenas um segurança com título pomposo. Nada mais que isso. Não tenho curso superior, não tenho nenhum “skill” rentável. Sou apenas um moleque que, pra todos os fins práticos, acabou de terminar o colegial.
Apesar disso, eu fui capaz de (em apenas oito meses) montar um apartamento completo, com certos itens de luxos que apenas poucos no Brasil podem possuir, sem jamais reduzir meu ímpeto consumista que me faz gastar mais de 600 dólares por mês com quadrinhos, armas airsoft, jogos, etc. Sem nem pensar duas vezes eu comprei itens caros como o iPod touch, o Archos, ou meu novo violão, e à vista. Até pra galera que tá bem de vida no Brasil, isso não é algo familiar.
O que um segurança no Brasil poderia fazer com seus 400-500 reais por mês? Comprar farinha láctea pros seus oito filhos e amarrar uma corda no telhado.
E aí está. Espero que tenham apreciado, porque esse texto deu trabalho
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