Desconto por serviço fácil
O cliente pede um desconto, alegando que é serviço fácil. Faz sentido. O que nós cobramos, realmente, é pelo tempo que levamos para traduzir um texto. Por isso, se o texto for mais fácil, demora menos para traduzir, e, portanto, deveria ter preço menor. Até aí, morreu o Neves, como se dizia antigamente.
Mas não é bem assim. Para começo de conversa, quem pode dizer se o texto é difícil sou eu, não meu cliente. E eu já ouvi cliente chamando de fácil texto de arrepiar os cabelos de qualquer careca. Para conseguir um descontinho, qualquer pretextinho é válido.
Em segundo lugar, mesmo eu só posso dizer se o texto é difícil de traduzir quando termino a revisão.. Quem nunca teve a surpresa de ver aquele texto que ia fluindo gostoso e, lá a folhas tantas, salta em cima da gente um dragão de um parágrafo, soltando fogo pelos sintagmas?
Além disso, muitas vezes o texto pode ser fácil para Alfa, que é especialista na área, e difícil para Beta, que é de outra área e muito difícil para Gama, que é iniciante, inexperiente, incompetente ou talvez alguma combinação dos três. O que significa isso? Que, nesse caso, o especialista deve cobrar menos que o não especialista? Os clientes iam adorar, por certo, mas isso ia tirar do iniciante a sua arma principal, que é aceitar um preço menor que o do especialista.
Mas o pior não é isso. O pior é que um desconto por serviço fácil pressuporia um adicional por serviço difícil, que jamais qualquer cliente vai aceitar pagar. Aliás, não é esse o pior. O pior mesmo é que se você der um desconto por serviço fácil, a próxima vez que o cliente te chamar, vai reclamar que, na vez anterior, você deu um descontinho para ele e por que não vai dar agora? Não vai haver argumento neste mundo que leve o cliente a reconhecer que ele próprio pediu um desconto por serviço fácil e aquele era um serviço mais fácil do que este.  Memória de cliente é uma coisa muito esquisita. Nunca esquece de um desconto concedido, mas jamais se recorda do motivo da concessão.
Por isso, não dou desconto por facilidade, nem procuro obter um bônus por dificuldade, embora já tenha recusado traduzir textos em chinglês e coisas piores ainda: nem tudo no mundo tem seu preço.
Isto significa que, quando aceito um serviço, aceito um risco. E todo risco é risco de ganhar e risco de perder. E viver é administrar riscos. Às vezes, a gente ganha, às vezes a gente perde.